O gesto do lava- pés transforma as relações de domínio em relações de serviço, supera as rupturas e divisões criando relações de aliança, invertendo o comportamento egoísta em atitude altruísta. Jesus fez de sua vida um grande lava-pés. Seu jeito de amar e respeitar as pessoas, de ser irmão e servidor, de doar-se aos outros, de entregar sua vida pela salvação do mundo, é um lava-pés existencial.
Pelo lava-pés os inimigos se tornam amigos e o outro é respeitado como irmão, amigo e companheiro. Ninguém é espezinhado, pelo contrário, é colocado de pé caso tenha caído. Estar aos pés de quem caiu, fracassou, faliu é um verdadeiro lava-pés. Isso tudo cura os pés feridos.
Encurtar distância, vencer diferenças, superar divisões, socorrer as vítimas da injustiça é lavar os pés dos outros, até que ninguém mais seja chutado, pisoteado pelo abuso do poder, pela vingança, pelo orgulho. Tem os pés sujos que alimenta ódio, raiva, crueldade. O lava-pés nos faz peregrinos na direção do irmão e dá a coragem para o diálogo, o perdão, a reconciliação. Cai a discriminação, o racismo, a exclusão, a mentalidade de privilégios, de classe e de superioridade.
Lava-pés é acolhimento, hospitalidade, aceitação dos outros, voluntariado, altruísmo, solidariedade.
É optar pela misericórdia, pela compaixão, pela comunhão. Num ambiente de discórdia, divisão, brigas, indiferença pelos pobres, não se deve celebrar a eucaristia. Na lógica do lava-pés o outro é o centro e digno de ternura, respeito, consideração. Jesus inclinando-se para lavar os pés explicou de forma inequivocável o sentido da Eucaristia. O amor fraterno é a prova da autenticidade das nossas celebrações eucarísticas.
O lava-pés é o poder da ternura. Violência é fraqueza e derrota. Ou vivemos todos como irmãos, ou morreremos todos como loucos. Quem se inclina para lavar os pés eleva-se diante de Deus. É superada a relação senhor - escravo, pela relação de igualdade e aliança. Lava-pés é despir-se do poder e revestir-se de humildade, desamarrar as sandálias para dar alívio aos sofredores.
Lava-pés é ir ao outro, ao povo, ao pobre, ser companheiro de viagem. Os pés fazem a gente enxergar melhor, lá onde estão nossos pés, nossos olhos se abrem. Na escola do lava-pés superamos as atitudes de pretensão, competição, arbítrio, inveja, difamação e nos tornamos samaritanos querendo o bem dos outros, sofrendo a dor deles, carregando seus fardos, defendendo seus interesses.
Lava-pés é libertação do narcisismo, da arrogância, da presunção, das gratificações e aparências. Acontece assim o esvaziamento de nós mesmos e a elevação dos outros. Saberemos exultar de alegria pelo sucesso alheio e jamais prejudicaremos a alguém. Seremos pessoas de tolerância.
Lava-pés não é uma cerimônia nem uma encenação. É um jeito de viver, um estilo de vida, uma lógica do amor. Lava-pés é descer dos nossos pedestais, colocar-se na situação dos outros, tratá-los como nossos melhores amigos. A espiritualidade do lava-pés hoje se chama solidariedade, compaixão e comunhão, cujo alicerce é a humildade e espírito de fraternidade. Em outras palavras, atender bem o telefone, abrir a porta da casa, ser gentil no transito, estar do lado dos pobres etc, são verdadeiros lava-pés. Uma Igreja “casa dos pobres e escola de comunhão”, é Igreja do lava-pés. Na cultura contemporânea é mais fácil dar ponta pés que lavá-los. Todo o interesse pela vida no Planeta, é sem dúvida um moderno lava-pés.
Dom Orlando Brandes Arcebispo de Londrina